Diretrizes Evolutivas no Movimento Espírita
Ao organizarmos qualquer projeto de trabalho, sempre temos marcos referenciais que os norteiam, ora explícitos ora implícitos. Um sistema subjacente de crenças, valores e idéias orienta e dá sustentabilidade às ações e decisões.
No Espiritismo, a idéia mais estruturante que conhecemos é a evolução do ser. Da simplicidade para a complexidade, da ignorância para a sabedoria, do egocentrismo ao máximo teocentrismo, da supremacia da forma e da matéria, até a o domínio da substância e do espírito, tudo se encadeia numa diversidade hierarquizada de manifestações correspondentes à capacidade realizadora do espírito, essência, no mundo da existência.
Por estarmos parte desta grande cadeia de seres em marcha para plenitude em estágios diferentes de consciência, produzimos trabalhos e construímos estruturas e relações correspondentes.
Não é de se estranhar, portanto, que a diversidade seja encarada como um fenômeno natural da condição evolutiva. E como não estamos ainda no estágio máximo desta ascensão tendemos, pela lei do meio mínimo, a nos fixar em nossas possibilidades como aquelas que podem ser validadas como universais, atitude que reflete o grau do nosso egocentrismo.
Não nos damos conta de quantas vezes mudamos de percepção e acreditamos que desta vez encontramos a posição definitiva.
Numa perspectiva evolutiva, podemos recordar que a mutação é constante ainda que os níveis mais elevados incluam as sínteses de aprendizagem anteriores, naturalmente adaptadas ao novo estágio de consciência e sua manifestação. Portanto, nem as estruturas, nem as práticas podem ser permanentemente estáveis, principalmente para aqueles que nela estão envolvidos. Mas, mudar por mudar pode ser simplesmente um ato de falta de perseverança permutando diferentes formas do mesmo estágio evolutivo. Por isto, toda mudança para ser consistentemente compreendida em termos evolutivos necessita se orientar por seus parâmetros mais conhecidos, enunciados a saber:
Acrescenta complexidade, novas propriedades e resultados?
Amplia a consciência dos participantes tornando-se cada vez mais sujeitos autônomos? Permite mais integração aproximando-se da percepção mais elevada da unidade fundamental do cosmos e de Deus?
Desloca o foco da liberdade para escolhas mais sutis? E faz crescer a zona do já sabido sob a forma de automatismos, hábitos, instintos e sínteses experienciais?
Permite uma manifestação mais evoluída do amor sob a forma de incondicionalidade, cuidado, respeito e conhecimento de si mesmo, do outro e do transcendente?
Respondendo afirmativamente aos questionamentos supramencionados, podemos dizer que estamos escolhendo o essencial daquele momento evolutivo e assim validamos nosso projeto.
Uma inferência natural decorre desta percepção em termos de valores: o critério que usamos centrado num padrão que, quando imitado, julgamos a atitude certa, e quando transgredido, dizemos errada a ação, é muito superficial e negador da diversidade evolutiva. Como bem advertia Allan Kardec no livro A Gênese, muita coisa que era qualidade na criança torna-se defeito no adulto. Ou ainda, “o que era outrora um bem, porque era uma necessidade de sua
natureza, transforma-se num mal, não só porque já não constitui uma necessidade, como porque se torna prejudicial à espiritualização do ser.
Indivíduos e instituições, atitudes e práticas sociais estão em constante evolução. Mas, a velocidade com que isso ocorre é variada e faz surgir uma imensidão de possibilidades todas com algum valor intrínseco, mas seguramente, sem caráter universal de validade, ou seja ,são inadequadas para alguns estágios de consciência.
No contexto evolutivo, certo é o que proporciona a ascensão do ser, espiritualiza sua manifestação, aproxima-o de Deus. Errado é o que faz alguém estagnar ou não aproveitar adequadamente suas possibilidades de progresso.
Deste conceito decorre uma necessidade: a de buscarmos a unidade de princípios na diversidade das formas. Sem esta atitude incorremos na prática da exclusão por puro devaneio de nos considerarmos senhores da verdade, do bem, do belo e do justo, para ficarmos apenas nas quatro grandes idéias do mundo platônico. Ato de insciência, pois deste modo sequer influenciaremos os outros na sua zona limítrofe de aprendizagem e simplesmente a desconheceremos e correremos o risco de cultivarmos a pobreza da endogenia, associando-nos apenas aos que “rezam por nossa cartilha”.
O movimento espírita com sua organização também evolui, se complexifica, se conscientiza de novas situações, ordena-se integrativamente e escolhe entre as diversas formas a que mais lhe convém no momento. A diversidade de suas manifestações pode ser a riqueza e pujança da sua criatividade, desde que atenda aos parâmetros evolutivos em sua avaliação para não reativar velhos condicionamentos em nome da inovação.
A ampliação das motivações dos que buscam as instituições espíritas exige que as mesmas ofereçam opções de conhecimento e vivência compatíveis com estes anseios. Isto já acontece, ainda que ao sabor da criatividade de cada organizador, de forma assistemática e não socializada.
Para continuarmos na linha de progresso do movimento espírita baiano que recebemos dos nossos dirigentes antecessores, propomos que sejam realizados estudos adequados dos vários níveis de atuação existentes e ou aspirados, tendo como eixo estruturante a idéia de evolução e como busca incessante a noção de identidade cultural espírita.
Para iniciar tal trabalho, reunimos experientes lidadores de várias instituições espíritas para analisarmos as práticas espíritas numa perspectiva evolucionista. Em vários encontros escolhemos identificadores ou variáveis referentes a cada área de atuação e criamos escalas facilitadoras da percepção do estágio evolutivo de cada prática.
Um exemplo típico é a escala de práticas de ensino espírita baseada em três identificadores, a saber : tempo e regularidade da prática e do participante, complexidade das fontes de conhecimento e participação do aprendiz.
Eis o resultado:
Quanto ao tempo:
Encontra-se eventualmente na instituição e aproveita para aprender.
Reúne-se regularmente em horário combinado e estuda neste momento
Além do anterior realiza tarefas individuais de estudo episodicamente
Regularmente tem também atividades complementares de aprendizagem
Conecta a aprendizagem com a experiência cotidiana e estuda no laboratório da vida
Inclui estudos complementares em outros estados de consciência além da vigília ( sonho, projeção astral)
Quanto às fontes de informação:
Opiniões assistemáticas de uma liderança
Leitura momentânea de um texto aleatório
Estudos regulares baseado numa fonte específica
Estudos sistemáticos com material didático específico
Estudos de um autor ou de diferentes obras
Estudos temáticos comparados com outras fontes não espíritas
Revisões sistemáticas com produções de sínteses ou consensos
Estudo centrado em pesquisa e produção de novos conhecimentos
Estudos de aplicação e experimentação na vida pessoal e grupal em consciência de vigília
Estudos integrativos experienciais em vários níveis de consciência
Quanto à participação do aprendiz
De passivo a ativo. Escala numérica de 0 a 10
É claro que toda escala humana não abarca todo o espectro possível, pois o desconhecemos, e toda organização tem limites máximo e mínimo de flexibilidade, que definem a sua zona de conforto e operacionalidade com eficiência.
O uso das escalas nas práticas que encetamos permite realizarmos uma avaliação diagnóstica mais precisa e, em consequência, um planejamento mais consistente para o transformismo evolutivo. Por outro lado, libertamo-nos dos modelos mentais julgadores que automaticamente nos fazem enxergar os acontecimentos pelas lentes bifocais de certo ou errado, conforme o padrão subjacente.
Como cada estágio demanda uma prática correlata, vale lembrar com Paulo de Tarso que tudo me é lícito, mas nem tudo me convém.